Na nossa programação inicial tinhamos previsto aprojecção de TIMBUKTU de ABDERRAHMANE SISSAKO. Infelizmente a cópia disponível para projecção não tem a qualidade  exigida.

Substituimos então pelo excelente Nocturno  o mais recente documentário de Gianfranco Rosi, filmado ao longo de três anos é uma viajem pelo Médio Oriente, um retrato íntimo dos que vivem permanentemente em zonas de conflito e violência. Um filme luminoso feito da matéria negra da história.

Gianfranco Rosi tem marcado presença assídua no circuito dos grandes festivais internacionais de cinema. Em 2013, o documentário “Sacro GRA” do realizador italo-americano, sobre uma enorme extensão de autoestrada que rodeia a capital italiana, foi o grande vencedor do Leão de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Veneza, o primeiro documentário a receber o prémio máximo no festival e o primeiro filme italiano a vencê-lo desde 1998. Em 2016, “Fogo no Mar”, um filme que explora a vida na ilha italiana de Lampedusa, local que ganhou destaque ao longo dos últimos anos como porta de entrada para centenas de imigrantes refugiados vindos de África e do Médio Oriente, valeu ao realizador o Urso de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Berlim.

Com “Notturno”, este meticuloso cineasta, criou um olhar cinematográfico complexo, compassivo e poético sobre a vida diária das pessoas, que vivem na vanguarda dos conflitos no Médio Oriente. Descrito pelo mesmo como “um filme de luz sobre as trevas da guerra”, o documentário foi filmado durante três anos ao longo das fronteiras do Iraque, Curdistão, Síria e Líbano, zonas onde perpetuam conflitos constantes instigados por radicais islâmicos.

“Noturno” é uma metódica contemplação de cenas de vida no Médio Oriente. O realizador recorre exclusivamente a planos fixos – predominantemente abertos – deixando a ação desenrolar-se sem interferências externas, o que lhe permite captar uma vasta variedade de emoções humanas, bem como traçar um contraste entre a beleza natural dos lugares e a devastação causada pelos conflitos armados. Os diálogos são escassos, cabendo às imagens captarem olhares, expressões e momentos que representam o estado emocional das vítimas.

As fronteiras que marcam os acontecimentos ao longo do documentário são quase intangíveis. O realizador opta por ultrapassar as barreiras (naturais e impostas pelo Homem), saltando entre países e comunidades sem nunca especificar quem são. Esta decisão parte de dois princípios: denunciar a infantilidade das barreiras, em particular as do  Médio Oriente, região dividida por potências coloniais e interesses estrangeiros após a dissolução do Império Otomano e o fim da Primeira Guerra Mundial; e aproximar diferentes povos através de sentimento de humanidade tolerância e esperança compartilhado por todos.

Há um ritmo sugestivo e poético na grande maioria das imagens, como caçadores à espreita em paisagens desoladas e mulheres de luto numa prisão onde decorreram execuções em massa. Rosi opta por explorar os arredores além-fronteiras, sem  mostrar diretamente os resultados da guerra. Em vez disso, opta por exibir, por exemplo, imagens de tanques avançando lentamente em direção a ruínas que sublinham o horror deste interminável conflito. Mesmo quando o realizador se desvia de mostrar explicitamente a violência, esta nunca está totalmente fora da  nossa mente.

Realização: Gianfranco Rosi / Argumento: Gianfranco Rosi / Fotografia: Gianfranco Rosi / Montagem: Jacopo Quadri, Fabrizio Federico / Som: Gianfranco Rosi, Stefano Grosso e Giancarlo Rutigliano / Produtores: Donatella Palermo, Gianfranco Rosi, Paolo Del Brocco, Serge Lalou, Camille Laemlé, Orwa Nyrabia, Eva-Maria Weerts / Distribuição: Leopardo Filmes / Duração: 100 minutos / Estreia Mundial: 8 de Setembro de 2020 (Veneza) / Estreia em Portugal: 10 de Junho de 2021

Festivais e Prémios: Em Competição, parte da Seleção Oficial do Festival Internacional de Cinema de Veneza; Prémio Arca Cinema Giovani no Festival Internacional de Cinema de Veneza; Prémio Sorriso Diverso Venezia no Festival Internacional de Cinema de Veneza; Prémio de Melhor Fotografia no Festival de Sevilha; Nomeado para Melhor Filme no Festival de Sevilha; Nomeado para Melhor Filme Internacional na British Independent Film Awards; Nomeado para Melhor Cinematografia em Documentário pela American Society of Cinematographers, USA 2021

A Associação Travessias Culturais é um organismo por excelência vocacionado para a produção, gestão e divulgação de eventos e projetos socioculturais. Como tal, necessita imperiosamente de reunir todas as condições necessárias para que a realização dos seus propósitos. E um deles é uma nova edição anual do Festival Mini Travessuras. Este certame tem como objetivo primordial, ou se quisermos, a “missão” de “levar o mundo à ilha e a ilha ao mundo”. Como evento ultraperiférico que é, o Festival Mini Travessuras, foi concebido como um veículo capaz de desenvolver e expandir a diversidade.  Apresenta assim, variadas áreas ou naturezas do conhecimento, arte, ciência, cultura e ética. Claro que sempre dentro de uma lógia pluridisciplinar, tendo sempre em vista a valorização e a educação para a chamada cidadania reflexiva.

Neste sentido, foi pensado como um festival abrangente e diverso, devidamente estruturado de forma a permitir a colaboração entre agentes culturais locais, nacionais e estrangeiros, fomentando uma troca de experiências, conhecimentos técnicos e ideias que visam expandir horizontes pessoais, culturais, locais e regionais.

Neste contexto entra naturalmente o cinema no Festival. Pretende-se dar continuidade aos princípios e objetivos da programação nos últimos anos do projeto “Encontro com o Cinema”. Essa iniciativa, cujo objetivo principal é proporcionar à população o acesso a cinematografias paralelas e alternativas aos comuns circuitos comerciais, colabora no festival, selecionando um filme. Tendo como pano de fundo as dinâmicas das influências multiculturais do continente africano na europa, e as suas consequências e repercussões, achámos ser o filme escolhido em causa, coerente e bem integrado nas temáticas dominantes. O público alvo não é restrito. Não é esse o objetivo do festival. Visa chegar às populações, não só a local, como de toda a região, permitindo-lhes a oportunidade de ter acesso ao cinema numa perspetiva cultural, recreativa, social e artística.