Dominique Dreyfus é uma artista e jornalista francesa e uma das principais historiadoras de música brasileira. Doutora de estado em civilização brasileira pela Universidade...
Mais informaçãoNo início era o verbo… (Prologo ao Evangelho segundo São João)
Assim construiu-se a humanidade, sobre a imprescindível necessidade para falar, para comunicar. Assim nasceu a linguagem. Assim se arquitetaram as línguas.
Mas eis que surgiram obstáculos à palavra. Uns ideológicos: ditaduras, regimes repressivos, racistas, perseguições, censuras que calam o povo. Outros mais pragmaticamente determinados pela distância, nem sempre tivemos celulares à mão…
E mais uma vez a humanidade procurou soluções para driblar os obstáculos. A questão foi então: Como falar sem o verbo? Transformando o verbo em sinais? Fazendo do gesto o verbo, fazendo do som puro, sem fonema, a palavra? Assim surgiram novas linguagens a partir de novos modos de comunicar-se. Quem não recorda os famosos diálogos de “fumaça” dos índios norte-americanos nos filmes de bangue-bangue da nossa infância, ou a linguagem codificada dos governos, do CIS (código internacional dos sinais) compreensível por todos os marinheiros do mundo, o morse, a língua dos surdo mudos, e tantas outras linguagens que permitem falar quando não se pode falar.
Dentre essas linguagens de resistência, muitas se basearam na musica e/ou na dança. São essas que a exposição A Linguagem do Som quer focalizar.
A primeira delas, presente na programação do festival, a Gumboots sul-africana. Hoje em dia dança tradicional, ela nasceu dos sons percussivos que os trabalhadores nas minas, proibidos de falar entre si, faziam com as mãos batendo em suas botas de borracha (gumboots), para se comunicar. Linguagem de resistência ao apartheid que se transformou em musica e dança.
Semelhante ao Sapateado que chegou no solo norte americano com os imigrantes irlandeses e foi adotado pelos escravos para se comunicar sem ser entendidos pelos mestres. No Brasil, os escravos por sua vez se tornaram peritos em distorção da realidade com a Capoeira que semelhava uma dança lá onde estavam lutando – o que era terminantemente proibido ou com o Maracatu que fazia de conta que estava celebrando a coroação do rei de Portugal quando na realidade estava coroando um Rei Congo ou ainda com o Candomblé que introduziu na sua pratica inúmeros ritos oriundos do catolicismo, para disfarçar…
Mas a resistência pode também ser à distância. Assim nasceram línguas baseadas no assobio que permitem a pessoas discutirem a vários quilómetros de distancia umas da outras. É o caso do Silbo gomero nas Canárias ou do Aas dos Pireneos franceses e, com nomes diversos, em vários países qual a Romênia, a Turquia, na Grécia e de tantos outros mais… Enquanto os índios colombianos Bora, se comunicam a través o som dos tambores Manguare.
A través uma série de painéis instalados na praça do Pelourinho A linguagem do som ilustra com uma rica iconografia, textos explicativos e sons, todas essas línguas sem palavras que permitem que povos se comuniquem entre si apesar das perseguições, das censuras ou simplesmente da distância.